segunda-feira, 28 de abril de 2014

Quando o Poema é o Poeta


Rumo ao desajeitado. É bem possível que alguém reclame
Dos meus sorrisos solitários
Talvez exista qualquer caduquice simpática em meu sangue,
Coisa que nunca é comprovada,
Meu cão torna-se cúmplice das coisas que ouço
Quando prometo não ver e nunca cumpro
Saímos, enfim, por qualquer bobagem como dois bichos
Cheirando rastros de coisas alheias, e algumas são tão estrangeiras
Que nem servem como mísera refeição, no entanto,
Os cheiros que pousam sobre nossos focinhos silenciosos
São tão familiares que duvidamos de suas lonjuras. Usamos de simplicidade
Para lembrarmos nossos nomes
Estamos lado a lado, nessas ruas desnecessárias, compondo
Qualquer brevidade de alaranjado para um céu independente
O sol, exibindo sua juba exagerada, sempre corre em nossa direção
E acorda ideias dos livros que não foram escritos. Minha cabeça captura o estalo
das letras e o cão late qualquer verso de osso
Tropeço amiúde - tudo tão humilhante e comum - porque há devassidão no pensamento
Que debocha do meu amadorismo e, nessas horas, um torto poema é a mão necessária
Ergo-me com a teimosia dos poetas que derrotam evidências
Elas, não sobrevivem a nada, a nada sobreviveram, a nada sobreviverão!
Sobre suas covas praticarei pirraças em papel de pele
E meu cão será um lord aguardando-me em mudez elegante
A desforra será minha palavra mais simples,
Aquela que beija um sabiá em voo 



quarta-feira, 16 de abril de 2014

Domínio Público


No meio da rua
Há um cão desembestado
Entre os dentes,
Mais um dia sem morte
Suas patas são as flores de minha juventude sob o sol

No meio da rua
Há um Sísifo descalço,
Quase astuto,
Empurrando seu castigo até o limite do céu
Sua pedra é minha insônia e sobrevivência

No meio da rua
Há uma beleza violenta
E que pouca vida promete
Quem a toca perde o rosto para Hemera
Seu riso é a serpente que envenena meu seio

No meio da rua
Há um exército sem tórax
Nunca sei o que seus ruídos atingem
Como se fosse granada nos desonra os ossos
Fácil é matar quem já está esquecido

No meio da rua
Um poema
Cede algum coração
Para o próximo


(Para meus amores Tânia Contreiras e Jorge Pimenta)



sábado, 12 de abril de 2014

10% de Nada é Nadar no Mar e Morrer na Praia


Trafego de urgências nas ruas
E minha impaciência é uma vontade sem vida
O botequim mais próximo sofre a quotidianidade
Dos Zés, suas bocas desimportantes atropelam
Mais um prato sem graça, mas o balcão é vulgar
E sabe que os tombos não escolhem joelhos
Obsequiando um cigarro ao pobre diabo da direita,
Mergulho em seu hálito e me provoco
- Infame existência é tudo que tenho entre os dedos!
Essas vidas que, considerando, sigo a desfiar
Pelos encontros banais. Tudo é um grande assombro
E cansaço. Vivê-las, e as sou invariavelmente, me exauri,
Ainda bem!
O garçom me serve mais um café e, como qualquer criança
Virando os olhos ao destino das nuvens, sei que todo cuidado é muito.
Derramo-me, sem pretensões
Minha mão é feita para as tintas e não para bater continência
A qualquer estética ou alinho.
O garçom me olha como se pressentisse mais um suicida, talvez,
Alguém miserável a cultivar idéias pessimistas, mas, em verdade,
Não sou nenhuma dor ou qualquer contentamento. Sou sim, apenas,
Uma substância antiga, sem sono, que coleciona coisas alheias
Para que na demora do divino, coisa que não perscruto,
Eu me entretenha com um pouco de valia.
Ele me olha como se fosse espelho e me repudia com ódio incomparável
Sorrio para descermos juntos nossas íntimas estranhezas,
Cada qual com sua cidade, até o país de todos. A nação dos inúteis!
Ou será que ele prefere os 10%?


quinta-feira, 10 de abril de 2014

A Compadecida


Era iminente o enfretamento:
Não me chame de vaca!
Ela, sagrada, de quatro. Eu!
Só tenho essa mentira que te faz Deus.
(e vais ao céu por bruxaria)
Meus olhos não estão nos teus,
Então, não me vigie o coração.
Tens minha nuca limpa, nas unhas,
Sobre pensamentos sujos
Que sorrindo não desperdiço
Entre o algodão áspero do lençol
E o teto arruinado,
O tremor das tuas coxas,
O temor do homem, o tempo.
Imponha-me botas e punhos,
O gosto da virtude que imaginas.
Brada tua virilidade que me compadeço!
Eu, inútil na fotografia, me apago
E morro de inocência apunhalada.
Fodo contigo, por pecado meu e imprudência tua,
Que nunca me amou santa
E jamais me desejou puta.



quarta-feira, 5 de março de 2014

Como Se Fosse Verdade

Como se tragando os gestos
Ensaiamos falar
Como se fingindo honestos
Inventamos amar
Eu que nunca presto
Ele que sabe negar
Tratamos de cobrir os nossos tetos,
Vidros indiscretos, sobras infames
Dos vexames que não dormem
Em paz                             

Como se amando em fugas
Fraquejamos voltar
Como se traçando rugas
Suportamos ficar
Eu que sempre outra
Ele que nunca será
Deixamos de supor as nossas caras,
Faces tabajaras, restos inexatos
Dos retratos arruinados
Por serem reais

Como se jurássemos poemas
Construímos versos para o amor
Viver seus dilemas cordiais