sábado, 21 de junho de 2014

Emboscada

Chorei tão miúdo
Uma, duas, três,
Algumas vezes
Raras lágrimas danadas,
Malvadas, doidas,
Doídas de algo que, talvez,
Não cabe em tempo algum
É o primeiro dia do inverno,
Há essa hora má,
E os miseráveis já estão pálidos
Minha cidade quer uma medalha de ouro
O mundo quer uma medalha de ouro
Mal sabem que seus pescoços
Pertencem aos vermes
E o ouro as emboscadas


sábado, 14 de junho de 2014

Balada da Paixão Assombrada


Houve um tempo, sim,
Que tua expressão era povoada
Por tantas viagens delicadas
Todas minhas, uma mulher longe do frio,
Sem entender a sílaba mais fraca
Do amor – distância
Tinha bebido um poema demorado,
Emboscada de lume, e meu silêncio tremeu
Como se fosse possível acariciar
A luz mais longínqua - estrela
Ah, mal sabia que aquele fulgor da palavra
Findaria na primeira sombra da noite
Que nunca me viu!
Insisti, muito amiúde, em estender os dedos
Até os lábios que assinavam beijos de outra boca
E, mentindo nossa intimidade sobre papéis corriqueiros,
Abandonei-me ao lugar que não se vai.
Inaugurei o maior deserto do mundo
Houve um tempo, sim,
Em que tua face era imortal
Tal é o poeta


domingo, 8 de junho de 2014

Canto de Louvor a Nossa Pedra de Cada Dia

Com degraus intermináveis, a escada de pedra parecia levar ao céu. Meus pensamentos, de canto em canto, mataram-se exaustos como cigarras berrando ilusões. O verão era cínico e acenava mentiras.
No princípio, não alheia as pequenas flores entornadas no chão, meu coração suspirou e esqueceu a memória. Era precipitado fazer qualquer ruído diante dos signos que vestiam silêncio único. Havia meio fiapo de poesia ameaçando sair da terra e tudo carecia de respeito.
À medida que subi o caminho, o pulso em acaso, uma colcha de brisa aconchegou-se e alguns espasmos da carne disseram idéias e poemas. Toda cabeça, que antes era bruta, após tocar os limos se emprenhou de delicadezas e, demitindo medos, desnudou os passos.
Tornei-me para sempre uma anônima, entre podridões e luxos, amamentando os ingênuos que me chegam. Havia nascido para os manicômios, para os circos, para os miseráveis e impossíveis que trazem no sangue as coisas feitas de suor e pedra. Rota dura e definitiva de quem escancara a alma, grande e imperfeita, e deixa-se ir. E invade a entrada de serviço, o pórtico da humanidade, onde as costelas se acomodam por amor ou bordoadas.
Segui por ruínas arquitetônicas dos homens e mil árvores frescas. Observei a existência de um Deus indiscreto.
Meus olhos, acompanhando a força teimosa das formigas, compreenderam as noite mais negra.
Sim, a margem de todas as cosmopolitas convicções, há um agente que exprime anarquia e reage, naturalmente, ao juízo humano. Eis o universo! A origem do que cada coisa é e não do que homem qualifica em sua embriagues mundana, pois a mão humana não alcança o sol, jamais tece a luz que ilumina ou cega e nem tão pouco sente o peso da pedra de cada ser.





sexta-feira, 6 de junho de 2014

Do Lado De Lá – Estilhaços Para Rosto Afugentado

Nenhuma mulher oprimida
Tem rosto
– quem sobe os degraus morre nos sonhos
Nenhum rosto envergonhado
Tem voz
 – quem mutila a palavra crê na mentira
Nenhuma voz abafada
Tem vértebras
- quem abusa dos ossos rói o ódio
Nenhum espôndilo humilhado
Tem articulação
- quem aniquila o afago bebe mágoa
Nenhuma articulação infeliz
Tem coração
- quem despreza o músculo come cobras e lagartos
Nenhum coração encolhido
Tem sexo
- quem viola o ventre respira o nojo
Nenhuma buceta sem música
Tem vida
- quem exige o gozo recolhe a farsa
Aqui está à mulher discreta, a tua obra,
Quando não chama, entre os estilhaços da truculenta janela,
O canto do outro lado do mundo




domingo, 1 de junho de 2014

Desafio Para Medos e Outras Palavras


Teu hálito, sobre a curva nua da orelha,
Soprou-me demora indecente
Meus silêncios, que eram discretos,
Já não puderam conservar clandestinidades
E, umedecidos de sons femininos,
Gritaram um grito sem fôlego
Escândalos tocaram a pérola envolvida
Ou seriam estrelas insanas a galopar nos montes?

Era tua chegada, na cadência do fogo,
Usurpando palavras dos flancos censurados
Eu e você, insuportavelmente perfeitos
Para torturas, assim seríamos até trincarmos
Qualquer coisa mais frágil

Chamou-me, o homem repentino:
Mulher! Lava essa poeira do corpo
E ressuscita o velho dom
Ouça minha mão agitando canções em teu sexo
Quando, ainda, um pedaço de medo desce
Garganta abaixo e, domesticado, não fissura

Era tua chegada e minha partida
O desafio de não olhar para trás