Meus tornozelos doem!
Pendurada de cabeça pra baixo, no alto do Jardim Amália,
Um lugar mergulhado em pesadelos e belas construções,
Talvez, por incompetência em lidar com coisas abstêmias, e
postiças,
Eu ande assim de ponta cabeça. Feia, rota e demente,
Enchendo os córneos de cuba, observando banalidades saírem do chão
Não há perigo em olhar o inferno pendurada pelos pés
Quando a língua conhece bem o gosto da lava
Tudo é tão rasteiro, e terrivelmente confiante, que se pode tocar
e lamber
O chão é fogo úmido de violência
A fumaça obscena sai das entranhas comendo almas, seus sexos
expostos
Fode com tantas promessas e elegâncias
Que os espíritos ficam excitados com trepadas fáceis,
Não enxergando a face cortante que os espreita sob o fôlego do
amor
Viciam-se em pertencimentos, quando a realidade é bem outra
Pobres pessoas esperando milagres tão miseráveis quanto elas!
Colecionando etiquetas vaporosas para abandoná-las na porta do
esquecimento
Onde cabem vermes gordos e mijadas de ratos risonhos, apenas
Minha cabeça está enterrada no chão,
As minhocas do meu cérebro se misturam as que já existem na terra
Tudo que tenho são pensamentos inquilinos que incomodam quando há
algo estragado.
Penso nos homens, naqueles que já foram ao mar, tantas vezes
Penso em seus baús, de quinquilharias e memórias, arrastados no
tempo
Eu sei que eles querem matar as mulheres com mais de 50 anos,
Eles não contam porque precisam de meias e cuecas limpas,
Mas há um olhar de amor tão estúpido que se pode enxergar o ódio.
Querem afogá-las numa xícara de chá, entre quatro paredes,
Sozinhas como uma moeda de dez centavos abandonada no bolso do
rico
Eles odeiam amar mulheres navegadas, que já perderam seus sangues
em alto mar,
Porque são diferentes seus desejos de bússola, peixe e sol,
Mas, ainda assim, elas continuam servindo-lhes compaixão no prato
de todo dia
Talvez seja melhor afrouxar o nó dos tornozelos!
8 comentários:
Esses teus últimos versos merecem ser refletidos por tantas mulheres! E homens... Teu poema me lembrou o Arcano XII do Tarô, conhecido por O Sacrifício... Costuma-se dizer que significa períodos de sacrifício ou, dizem outras, o sacro-ofício. Eu, do meu lado, lembro que quando criança adorava ficar de cabeça para baixo. Assim como gostava de rodar e caía sempre, quebrando a cabeça. Aí deduzi que eu sempre procurava um ângulo libertador. E teu poema me levou, assim, a muitas lembranças. Inclusive de que minhocas eram seres íntimos. Invejava a íntima ligação com a terra.
Beijos, Ira!
Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Fabrício e cheguei até vc através do Blog Rosa Solidão. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir meu blog Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. Estou me aprimorando, e com os comentários sinceros posso me nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs
Narroterapia:
Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.
Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.
Abraços
http://narroterapia.blogspot.com/
Comentar o teu poema dá para escrever uma tese. Não o vou fazer, porque não tenho tempo e, por outro lado, não tenho grande jeito e seria, até, descabido.
Por isso, digo apenas que o teu poema é excelente e foi do que melhor li nos blogues nos últimos 10 anos (que é o tempo do meu blogue).
Parabéns por tanto talento.
Ira, minha querida amiga, desejo-te uma óptima semana.
Beijo.
este é daqueles textos, ira, em que se ensaiam palavras que, por mais ponderadas sejam, acabam por trivializar a genialidade do teu canto. um olhar do alto de um penhasco, sobre esses infernos que cativamos ano após ano, na solidão pior de todas - não a do singular, mas a daquele que, olhando para o lado, sabe que há alguém que não se vê, que não tem voz e que se esconde nas sombras da parca luz que o outro reflete. não, não são apenas os tornozelos que veem os nós mais deslaçados; também os meus dedos, em alinhamento com o sangue, assim estão, na sequência desta viagem alucinante que nos proporcionas sempre que acendes a lira.
beijo grande!
Ira, seus poemas são realistas, ao mesmo tempo em que arriscam tocar a malícia humana ao máximo. São exigentes quanto à atenção, ao cuidado de ler. E às vezes incrivelmente arrebatadores.
Este me parece um desses.
Mérito não falta a vc e nunca vai faltar.
Beijo beijo, amiga.
estes tantos nós, tontos nós
beijo
Hola, excelente post, desculpe meu portuñol. Seu Blog e interesante e creativo. Felicitaciones y un gran saludo desde:
http://el-cine-que-viene.blogspot.com/
Pela sua poesia desfila a miséria humana, uma fauna decrépita travestida de seres bem parecidos com a desgraçada alma ao léu ardendo em labaredas.
Ira, as suas palavras são um autêntico bisturi poético.
Beijo :)
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