Com degraus intermináveis, a escada de pedra parecia levar ao céu.
Meus pensamentos, de canto em canto, mataram-se exaustos como cigarras berrando
ilusões. O verão era cínico e acenava mentiras.
No princípio, não alheia as pequenas flores entornadas no chão,
meu coração suspirou e esqueceu a memória. Era precipitado fazer qualquer
ruído diante dos signos que vestiam silêncio único. Havia meio fiapo de poesia
ameaçando sair da terra e tudo carecia de respeito.
À medida que subi o caminho, o pulso em acaso, uma colcha de brisa
aconchegou-se e alguns espasmos da carne disseram idéias e poemas. Toda cabeça,
que antes era bruta, após tocar os limos se emprenhou de delicadezas e, demitindo
medos, desnudou os passos.
Tornei-me para sempre uma anônima, entre podridões e luxos,
amamentando os ingênuos que me chegam. Havia nascido para os manicômios, para os circos, para
os miseráveis e impossíveis que trazem no sangue as coisas feitas de suor e
pedra. Rota dura e definitiva de quem escancara a alma, grande e imperfeita,
e deixa-se ir. E invade a entrada de serviço, o pórtico da humanidade, onde as
costelas se acomodam por amor ou bordoadas.
Segui por ruínas arquitetônicas dos homens e mil árvores
frescas. Observei a existência de um Deus indiscreto.
Meus olhos, acompanhando a força teimosa das formigas,
compreenderam as noite mais negra.
Sim, a margem de todas as cosmopolitas convicções, há um agente
que exprime anarquia e reage, naturalmente, ao juízo humano. Eis o universo! A
origem do que cada coisa é e não do que homem qualifica em sua embriagues mundana,
pois a mão humana não alcança o sol, jamais tece a luz que ilumina ou cega e
nem tão pouco sente o peso da pedra de cada ser.
3 comentários:
Céus, riquíssimo de vocábulo e conteúdo, gostoso de degustar com os olhos
Tuas imagens são estonteantes. Cigarras que berram ilusões, verões cínicos:o mundo e sempre estreia pelos teus versos!
Beijos, poeta!
a incontornável ordem das coisas e de coisa nenhuma. e, de repente - até porque me reencontro com herberto helder e o seu último trabalho - ocorre-me a vertigem das palavras,elas mesmas fome e alimento de saciação impossível:
"Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
[...]"
beijos, poeta felina!
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