Levanto-me na manhã que ontem implorei
- Oh, Deus, meu espírito é feito de bichos carniceiros!
- Quero tua existência, então!
Aquela que agasalha os corações dos vagabundos,
Enquanto os intelectuais a desprezam nas tintas
sabichonas
Quero mil auroras douradas apontando crânios
E peles enrabichadas de outras peles
Tua piedade esclerótica, Senhor!
Pois à noite tenho fraquezas miseráveis
- é na escuridão que a matilha afia os caninos! –
Acordo no primeiro barulho de luz e, sob teto opressor,
Abro os olhos sujos das ânsias que pouco divulgo
No mesmo instante, há enfrentamentos brutais
Que contaminam a carne com palavras condenadas
Erguem-se labirintos birrentos
E é lá que habita o artista solitário
- já é hora de contrair o abdômen até a chegada do soco! –
Saio de casa com uma ilusão que jamais se emenda:
Esquinas povoadas por loucos que, delirando poemas,
Atiram versos nas quase vidas que passam
E a poesia, em estado de graça,
Segue infiltrando beleza nos subterrâneos fétidos dos homens,
Segue infiltrando beleza nos subterrâneos fétidos dos homens,
De verso em verso, vencendo serpentes e paraísos
Ando. Tudo é áspero, poeirento e magoado
Ando. Pouco é luto, equilíbrio e fruto
Serei eu, então, a louca que protege a lira de Apolo,
Como mamãezinha amantíssima
Ou o mais estúpido fantasma renunciando razoabilidades?
Minha sombra ronda os estrondos da morte,
Porém, a face se assanha diante das impossibilidades
E cruza a linha do mundo visível
Deus, não levante contra mim palavras exatas
Que resistam aos suspiros voadores
Deixe-me viver sob tortura Dionisíaca e,
Se for sina essa lira embriagada, não me poupes à taça cheia
Saberei matar-me sobre as cartas de Pessoa a Ofélia,
Meu corpo pousado em cada sentimento,
Como um lenço silencioso tocando a pele úmida
E não há quem me impeça de invadir o poeta
Levanto-me!
Porque esse verbo, sempre, me parece impossível
6 comentários:
porque os impossíveis são os melhores trilhos,
beijos
Ira, vim aqui apreciar teu belo, profundo e denso poema.
Um abração. Tenhas um lindo dia.
Existencialista, embora tétrico. O personagem não vê futuro... Talvez a poesia seja isto mesmo uma elucubração sem jamais apontar qualquer solução... Parabéns poetisa!
vou levar comigo, Ira:
«minha face se assanha diante das impossibilidades.»
como eu gosto da sua poesia, moça!
um beijo.
Ira, teus poemas são de uma originalidade incrível. Além disso, são densos e exigem uma leitura justa. Gosto mesmo do que vc escreve.
Um beijo grande.
quando parece impossível... já é possível. porque quando parece, ou é ou não é. e ser e não ser são, afinal, variações de uma mesma essência.
beijos!
p.s. o título é já um poema inteiro!
Postar um comentário