quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Poema Não Toma Banho





Foda-se que cuspam sobre meus poemas
Ou que me infiltrem os ouvidos com insultos
A vida é mesmo dura e os versos já nascem escarrados
- A poesia tem que ser livre e visível! Diz o olhar de Ferlinguetti
Caminhar por ruas, casas, bares, cafés, velórios, prostíbulos,
Delegacias, árvores, chafarizes, governos
E abarcar quem lhe estenda os braços.
Sair dos altares, transcendente, cabelos delicados ao vento,
Mas também fera mostrando os dentes podres de tanta porcaria que come,
Essas carnes recheadas com as mazelas dos homens
Foda-se que seu nariz entorte ao me ler
Ninguém que nunca me telefona ou visita,
Ninguém que vai beber cerveja lá em casa
Ou curte minhas postagens, nessa virtual cocaína quadrada,
Conhece minhas desgraças ou minha heart beat
Nenhum dos que não foram ao inferno conhecem minha caixa de víboras,
Mas tudo está lá, o inferno, a caixa, as víboras,
Tudo dentro da grade que me guarda
Nenhuma gente lê as palavras enfermas, sujas de merda,
Cretinos ratinhos roedores de calcanhares,
Que teimam habitar meus rodapés
Parece que só eu as sei de cór, e de esfregar,
E de matar, mas elas não morrem
Ninguém enxerga o que não lhes pertence?
Não tenho dedos de seda, nenhum lirismo de virgem nas unhas
Minha mão é crua e promíscua
O corpo, em carne viva, vive apodrecendo sob um vestido negro,
Sempre o mesmo, que uso perambulando nas salas góticas,
Corvo sedento, a procura de uma bebida barata que não me leve ao paraíso
Encharco o bico e deixo a bunda de fora,
Quem quiser que me enrabe com os estilhaços das suas vidraças,
Seus supositórios simpáticos de beatices, suas lupas intelectíveis,
Todos aqueles tributos do tamanho da pica de um jumento
Venham e comam minha lira, com suas línguas insípidas, eu sou o fracasso,
O alimento essencial para suas festas regadas a pálidas palavras
Sou poesia engatilhada e meu peito não é fácil de ferir
Nem mesmo o fogo estúpido o alcança!
Como na boca do lixo, com putas e pedaços loucos de homens,
Enquanto a mente espontânea cresce sob o falso amarelo da cabeleira bêbada
Vivo onde tudo é possível, até mesmo a inexistência da possibilidade,
Das coisas, dos homens, da vida e da morte
No mais, beat the way, poesia no sangue e muita paciência fêmea
Pra tomar no cu sem amor


5 comentários:

Marcelo R. Rezende disse...

É o foda-se que eu sempre quis escrever, mas que não competência para, rs.
Gênia.

Beijo em você, Ira.

Tania regina Contreiras disse...

Poema que não toma banho tem o cheiro dos líquidos viscerais e, ai, quando eu crescer quero ser igual a vc! rs

Beijos,

dade amorim disse...

O Marcelo tem razão. Quantas vezes a gente gostaria de escrever assim, e a competência (q tem q ser mta) não chega lá.
Bjs

Unknown disse...

esta é uma ode triunfal de pessoa a campos, para ler sem respirar


beijo

Unknown disse...

sobre poetas e poesia, esta preciosidade do imenso manuel antónio pina, desaparecido no mês passado:

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?

beijos, ira querida!